Ser mãe ...

(todos os depoimentos constantes neste artigo são reais e, com excepção do meu nome e do da minha avó, todos os outros são fictícios para preservar a identidade de cada uma destas mulheres)


Na noite do meu dia de anos dormi com a minha filha.

Não porque o faça habitualmente mas porque o pai não estava e ela pediu-me.

Sou sincera… agora já é mais fácil. No início, não dormia nada toda a noite tal era o desassossego da criança, e levantava-me irritada. Hoje em dia as noites são muito mais tranquilas, mas costuma-se dizer que nunca mais uma mãe tem uma noite sossegada!
Ao acordar tal era a excitação para me dar a sua prenda que tinha feito na escola com a ajuda da professora.

Pensei que já não sabia viver sem isto. E sem as birras, sem os choros, sem os gritos...

E assim dei por mim a querer saber junto de algumas mulheres que conheço como é para elas a vida com e sem filhos.

Óbvio que a primeira mulher que me ocorreu foi a minha avó Cesarina, uma mulher nascida numa aldeia em Trás-os-Montes, hoje com 87 anos e viúva há mais de 35. Engravidou 9 vezes, perdeu dois por aborto espontâneo e um à nascença. “Não se falava de contracepção” conta ela. E depois “uns filhos tinham que ajudar a criar os outros”, até porque ficou viúva muito nova. Como seria hoje avó? “Gosto de todos mas hoje não teria mais que 3 filhos”. Gabo a minha sorte, pois a minha mãe foi a última e já veio fora de horas.

Se antigamente as mulheres tinham imensos filhos, quase sem saberem como, hoje em dia a taxa de infertilidade atinge cerca de 300.000 casais (dados de 2009). E quais as causas? A APF (Associação Portuguesa de Fertilidade) explica no site que “a infertilidade tem aumentado nos países industrializados devido ao adiamento da idade de concepção, à existência de múltiplos parceiros sexuais, aos hábitos sedentários e de consumo excessivo de gorduras, tabaco, álcool e drogas, bem como aos químicos utilizados nos produtos alimentares e aos libertados na atmosfera”.

Adriana, 38 anos, mãe de uma menina agora com 5, teve que recorrer a tratamentos para conseguir engravidar. “ Desvalorizei muito a situação, pensei que com uns comprimidos tudo se ia resolver”, conta. “Falámos com a família mais próxima e amigos e explicámos a nossa situação porque a infertilidade só pode ser encarada se todos estiverem do nosso lado, não pode nem deve ser encarada como o fim do Mundo.” Mas ao fim de 7 anos de tratamentos, Adriana estava pronta para desistir. A adopção seria o próximo passo. E hoje em dia como te sentes? “Ao longo desses anos tive alturas que me senti a pior mulher do Mundo por não conseguir ser mãe, tive a sorte de ter ao meu lado um marido fantástico, os meus pais e os meus sogros que sempre nos apoiaram, um grupo de amigos 5 estrelas, e estive envolvida na Associação Portuguesa de Fertilidade onde percebi que não estávamos sozinhos. Não mudaria nada neste nosso processo, a única coisa que tentaria mudar era a mentalidade de algumas pessoas  que por desconhecimento ou por maldade acabam por nos magoar muito com perguntas e comentários que nos destroem o coração.”

Após ouvir o testemunho da Adriana, lembrei-me da Maria, 29 anos, que foi mãe há um mês. “Nunca pensei em desistir, até porque existem pessoas que estão anos a fio nesta luta e no final para mim foram apenas dois anos. Sinto agora uma felicidade suprema, é algo indescritível e um medo enorme de falhar enquanto mãe.”

Sorrio. Todas as mães sentem medo. Todas as mães falham. Mas todas temos a capacidade de o reconhecer e admitir os nossos erros. Ou pelo menos assim deveria ser. Afinal, todas as etapas que os nossos filhos passam também já passámos, certo?

É com esta introdução que Elsa, 37 anos, divorciada com dois filhos de 16 e 13 anos, me conta a sua história. “Durante o processo de divórcio senti medo e raiva. O meu ex-marido fez com que os filhos tivessem pena dele. Fazia muitas vezes 800 kms só para os meus filhos verem o pai.” Criar dois filhos rapazes sozinha não deve ter sido fácil… “Fui uma mãe um pouco ausente porque queria progredir no trabalho para ter condições de educa-los. Isso reflectiu-se na personalidade deles, mas eles hoje admiram-me e entendem o porquê de tantos sacrifícios. Mas se pudesse mudar alguma coisa... seria o tempo que perdi ao não fazer programas com eles.” E socialmente Elsa? “Assim que me divorciei fui logo tratada de uma forma diferente. Houve pessoas que se afastaram. Sobretudo afastaram os filhos, que andavam juntos desde bebés com os meus. Eles estavam numa creche de freiras e foi difícil ver a diferença de tratamento. Quando foram para o ciclo felizmente isso mudou. Neste momento acho que as pessoas me vêm como uma mãe sozinha e trabalhadora que luta para criar os filhos. Mas tive que criar outros círculos de amizades.”

Pensar que neste século, cada pessoa deveria ser livre de fazer as suas escolhas, optando por aquilo que lhe traz felicidade. E ainda assim existe muito julgamento. Muito preconceito. Em relação a tudo! E muito desse preconceito vem das próprias mulheres! Não é estranho?

Cerca de 5% da população portuguesa opta por não ter filhos, seja devido á crise económica que se vem instalando ao longo dos anos ou mesmo por opção própria. Numero que vem crescendo. 

Falei com um caso em particular. Susana, 40 anos, casada, diz-me que ter filhos “nunca foi um objectivo, nem nada parecido” mas, claro, mais uma vez sente preconceito da parte das outras pessoas. “Dizem que sou egoísta e coisas desse género, mas não ligo.” Até porque se relaciona com crianças muitas vezes. “Gosto de viajar e provavelmente não o faria da mesma maneira. Felizmente tenho um marido que tem a mesma opinião e partilhamos os mesmos gostos. Não mudaria nada nesta minha opção”.

Chego à conclusão que ser mãe é diferente para todas as mulheres. O nosso crescimento, a nossa condição social, os modelos familiares, tudo pode influenciar a nossa decisão, mas o mais importante é ter a consciência de que ser mulher é só por si só algo belo e que não deve ser desvalorizado.

Dizem que ser mãe de menino ou menina é diferente. Não sei. Acho que essa diferença apenas está na nossa cabeça. Na nossa mente. Porque o amor no coração deveria ser igual.

Sou mãe de uma menina. Cresceu a gostar de brincar com rapazes. Hoje em dia muitos dos amiguinhos dela não entendem o porquê de uma menina gostar de fazer brincadeiras de rapazes. Joga à bola de unhas pintadas e de vestido. Veste-se de princesa nos aniversários das coleguinhas. E dou-lhe espaço para ela encontrar o seu caminho no meio desta selva de preconceito e tabu. Muitas vezes abraço-a e sinto que a devia proteger mais.
Mas um pássaro que cresce fechado numa gaiola, depois não sabe voar sozinho.


Agradeço a todas as mulheres que disponibilizaram tempo para eu conseguir escrever este artigo e aqui presto a minha homenagem a cada uma delas.
Sei que existem muito mais histórias e testemunhos. Se quiserem deixá-los, ficaria eternamente grata. Nunca se sabe se alguém está a precisar de ouvir que existem outras mulheres com histórias parecidas...


Comentários

  1. Olá mãe e mulher :)

    Eu fui abençoada com o Sorriso mais LINDO, já lá vão 14 anos.

    Cada linha deste Sorriso tem Trissomia 21 - vulgo mongolismo

    Se soubesse que iria ter uma filha com necessidades especiais voltaria a fazer tudo de novo?

    Sim, sem olhar para trás.
    Sinto que fui abençoada.

    Diferentes, somos todos.
    Afinal
    Ser mãe é requinte de alma e coração, um misto de magia na vida.

    É sonho, vontade, desejo, abraço colo, aconchego e ternura, é raspanete quando é preciso e dar o braço a torcer quando também não temos razão

    Mas não seria possível ser mãe sem existir um pai, a todos os pais biológicos e de coração agradeço em nome de todas as mães por fazerem parte de nós, pelo que criamos, educamos e fazemos .. que no fundo é ...fazer os nossos filhos FELIZES <3

    VIVA LA VIDA
    SM

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    1. Agradeço-te Sandra, do fundo do coração por esta partilha :)

      Queria primeiro homenagear as mulheres, pois com ou sem filhos, são sempre especiais.

      Sabes que eu acredito muito no papel do pai no crescimento dos nossos filhos, o meu marido assistiu ao parto e para ele foi o momento mais especial que teve nos seus 40 anos de vida.

      Ainda assim, existem muitos homens que não valorizam cada pedaço da sua família, tratando mal as suas mulheres e os seus filhos. E cabe a nós mulheres educar-mos os homens e mulheres do futuro, transmitindo-lhes sensibilidade e compaixão.

      A ti Sandra, e à linda Yo, um beijinho de coração. Para mim és uma das mulheres guerreiras, com uma imensa luz interior e que me inspira todos os dias.

      Saudades :)
      <3

      Leónia Porto

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